sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

AMIGOS QUE SE PERPETUAM

Não é fácil gerir sentimentos. Diversas interpretações se colocam, por vezes, diante das mesmas situações. Tudo depende dos interlocutores.
As formas de sentir são sempre diferentes. Cada um de nós sente de modo diferente.
A importância de determinados acontecimentos na vida, de alguém, tem o valor que essa mesma pessoa lhes atribui.
Não são forçosamente valorados da mesma forma pelos outros. Mas, existe sempre uma necessidade, em cada um de nós, de avaliar os nossos, comparando com os outros.
Nunca somos suficientemente felizes, mas comparando com os outros, somos os mais infelizes, quando somos confrontados com alguma vicissitude da vida.
Por exemplo, a doença. Sim, porque a valoração que damos ao nosso problema é sempre maior do que os outros, principalmente, quando não temos os outros perto de nós, de modo a que possamos inteirarmo-nos, do seu sofrimento e das suas angústias.
E, porque se trata da nossa própria vida.
Que sentido faz a vida, se nós não participamos nela? Quando muito, antes de se partir, preocupam-nos as pessoas que amamos.
Eventualmente, uma manifestação de egocentrismo, no seu ponto mais alto. Não deixa de ter alguma legitimidade para se actuar deste modo. Ao fim e ao cabo, trata-se da nossa própria vida. E, como diz o ditado, se tiver que ser, "antes ele que eu"!
Mas, quando numa sala de estar de um hospital oncológico, nos cruzamos com alguém, com quarenta e poucos anos, mãe de um filho com onze anos de idade, em que o azar bateu, primeiro no cólon dos intestinos e depois, viajou até ao fígado, subindo aos pulmões e se procura, em todas as alternativas, a vida, não conseguimos ser insensíveis.
Porque, o combate pela vida, primeiro nos hospitais de Lisboa, depois em França e por último em Espanha, não nos deixa, de modo nenhum insensíveis.
Uma experiência, em que se tenta todas as hipóteses, para conservar o que de mais rico temos em nós, a vida. E esta experiência é de imediato, partilhada, de um modo desinteressado e até entusiasmante, como quem pretende dizer: “ partilha a minha experiência, porque vale a pena, para tentares salvar a tua vida”. “Vê o que eu tenho conseguido”! “Com tudo isto, e até agora, resisti.” “Portanto, se eu consegui estas “vitórias”, também podes conseguir.”
No íntimo, tenta-se “acompanhar” o outro. É bom sinal…porque significa que se está a acompanhar.
Este dar, está relacionado com a vida. Procurar que o outro tenha, também vida. Porque se resultar com ele, então, também resulta comigo. Logo, porque não havemos de partilhar a vida e os sucessos que possamos ter, para manter a vida?
A pessoa humana é de facto espectacular…porque partilha a vida, quando lhe vê escapar a vida. Mas, por natureza, quando temos a ideia de que somos donos da vida, temos dificuldade em partilhar, algo na vida. Nessa altura, escondemos os segredos da nossa vida. Não vá o outro, ter mais sorte, do que eu, na vida!
Na realidade, quando aquilo que procuramos é só, manter-nos vivos, vale tudo, inclusive, partilhar os nossos sucessos de sobreviver, perante a “pandemia” do século.
Ficam para trás, os interesses materiais e aqueles, que à partida, orientaram a vida, pensando que eram donos da mesma.
A conversa entre duas pessoas ou mais, que se encontram, na sala de espera de um hospital oncológico, não passa pelos sucessos comuns da sua vida, nem tão pouco, os sucessos e êxitos dos filhos, mais pródigos ou não, que cada um de nós pode ter, e que, de certo modo, espelham a maravilha que somos ou a nossa continuidade, ilustrando toda uma vaidade, que fica muito aquém, do que é a preocupação, de quem só quer salvar a vida e partilha os seus conhecimentos e experiências, procurando dar vida. Porque a vida dos outros, neste caso, pode espelhar a sua própria vida.
Mas, numa sala de espera, nem só as pessoas “apanhadas” pela doença, fazem parte da assistência. Estão presentes, também, quem acompanha os doentes, procurando manter um determinado ambiente, de um modo altruísta e autodidacta. Sim, autodidacta, porque, se é o próprio paciente que tem de aprender a “viver” com a doença, quem o acompanha tem, a todo o momento que aprender, por si próprio, a ultrapassar os momentos de declínio, nas diversas fases da doença.
Muitas vezes, uma notícia de que a situação está estável, representa um sucesso, que não deixa indiferente ninguém e que é, sempre, um sinal de esperança e de vitória Do mesmo modo, quando a notícia é menos favorável, a força anímica tem que ser encontrada de imediato.
Também aqui, se encontra um “elo” de solidariedade, que só é entendível, por quem vive e acompanha um paciente, que dia após dia, vai espectando, para que o “euromilhões”, não saia nos próximos exames médicos.
Vale a pena combater, aquele conjunto de células que entendem falar outra língua, de modo que ninguém as entenda, para baralhar a vida. Assim, como vale a pena, acabar por conhecer, quem também fale a”língua” de quem está doente e que, sem preconceitos, sem vaidades, acaba, ao transmitir as suas experiências, por dar alento ao companheiro(a) de infortúnio.
E quem tiver a sorte, de ter por perto, quem acompanha, e que vive as alegrias, das boas notícias, mas consegue encontrar, também, de imediato, a força anímica necessária, a minimizar as más noticias, acaba por ter sorte, no azar. Talvez, tenha dentro do azar, a sorte, de ter uma das maiores sortes da vida…o de na realidade, com toda a certeza, encontrar amigos, que se perpetuam, para além da vida.
Porque não é possível viver uma vida com estas ligações, sem que as mesmas, não se perpetuem para sempre.


“Malorum in una virtute posita sanatio est.” [Cícero, Tusculanae Disputationes 4.15] A cura de todos os males está exclusivamente na virtude.


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