O homem sentou-se à minha frente. Mais velho que eu, com idade para ser meu pai. Éramos amigos, para mais de vinte anos. Nunca o tinha visto assim!
De semblante carregado, com alguma dificuldade de se ajeitar na cadeira, que se encontrava do outro lado da minha secretária. Por fim, respirou fundo e disse-me: sabes Luís tenho que te dizer uma coisa…lembras-te da minha filha? Sim, respondi. Embora já não a veja há muitos anos mas, lembro-me de uma menina que tinha uma sensibilidade muito particular para a música e da qual tive o privilegio de ouvir tocar, a um piano de cauda, uma bela interpretação de Mozart, seguida de outra de Vivaldi. Já lá vão uns anos. Foi um serão muito interessante, disse eu. Pena que não tenhamos repetido tais experiências. Logo de seguida, disse: já deve estar uma mulher.
Foi quando ele, se voltou a acomodar na cadeira, como se esta fosse desconfortável e me disse: Luís ela não é minha filha, foi adoptada. Eu nunca disse isto a ninguém e espero que fique por aqui. Ao que eu retorqui que estava perante um amigo, mas que em primeiro lugar estava a falar com um advogado e, portanto, tudo o que se passa-se ali, era confidencial.
Sentia-se envergonhado, porque não era o pai biológico da filha, que ele adorava e para a qual pretendeu dar uma educação, como qualquer pai faria, proporcionando-lhe, o melhor que lhe podia dar.
De imediato, retorqui: houve lá…se é adoptada é tua filha. Deixa-te desses constrangimentos. Ama-la, deste-lhe afecto, tu e a tua mulher, como muitos pais biológicos, por vezes não fazem. Sempre foi o teu orgulho, porque estás agora com essa posição? Digo-te mais, isso para mim pouco me interessa, porque na realidade é tua filha, ponto final.
Perante a minha reacção, sentiu-se melhor, mais confortável e já se tinha relaxado para me contar, porque vinha solicitar os meus serviços.
- Sabes, ela saiu de casa aos dezasseis anos, para casar. Eu e a minha mulher fomos contra esta decisão, pois tínhamos a ideia que a mesma iria travar o desenvolvimento da vida dela e que um dia mais cedo ou mais tarde, seria infeliz.
A minha filha deixou-nos de falar, até que, agora, com trinta anos, apareceu-me à porta de casa, porque se quer divorciar. Que está farta da vida e da prisão em que tem vivido. Eu abri-lhe a porta, mas também lhe abri o coração. Agora, estou aqui para saber se poderias tratar do divórcio da minha filha.
- Ao qual eu respondi, que sim. A tua filha que venha falar comigo, para que possamos analisar a situação.
- Luís, disse ele, vê tu bem que estivemos privados do convívio da minha filha, durante estes anos, por causa de uma teimosia e insistência da parte dela em querer casar. Eu já sabia que ele não era a pessoa, com carácter e formação para ela e, que a família dele, iria procurar isolá-la do nosso contacto. E foi o que aconteceu. Mas eu recebia-a, como se nada fosse e olha que ao fim destes dias, nem sequer falámos sobre o assunto.
A minha opinião foi que não valeria a pena estar a falar, muito menos se ela não tomasse a iniciativa. Mas quando falassem, não abordassem a situação numa atitude recriminatória. O mal estava feito. Os anos perdidos já não se recuperavam e o que havia a fazer era viver o futuro e aproveitá-lo para o viverem sem ressentimentos. Afinal, pais são pais. Acabam sempre por perdoar.
E assim foi!
Eu não conhecia o marido, da filha do meu amigo, mas posteriormente, vim a conhece-lo e pensei, com os meus botões: na realidade, como é que uma miúda com uma sensibilidade tão refinada fugiu de casa dos pais, para casar com uma pessoa que é o oposto dela? Na verdade, cada panela deve ter a sua tampa. E estes não se ajustavam. Mas, o que é evidente para os mais velhos, com experiência da vida, não o é para os mais novos.
Acabei por dizer ao meu amigo:
- Deves aproveitar ao máximo estes dias felizes do amor incondicional e livre dos braços de ferro associados à conquista da sua independência que adivinho tumultuosa (por acaso foi menos tumultuosa, porque tudo se resolveu por bem).
Quero acreditar que saberás, como os teus pais, encontrar sempre um espaço para o perdão depois de reconhecidas as culpas, as tuas limitações, as decisões erradas e tudo quanto armadilha o bom desempenho que, por princípio, qualquer pai anseia.
Resta-te amar a tua filha e lidar com as suas revoltas e amarguras no futuro em que te confrontarás com o papel de intérprete da sua desilusão pelos aspectos defraudados. Afinal és pai da tua filha! E ela como filha, pode, de modo errado, ter decidiu erradamente a sua vida, mas agora, está de volta!
“Aufert vim praesentibus malis qui futura prospexit.” [Sêneca, Ad Marciam 9.4] Quem olha para o futuro, suaviza os males presentes.
De semblante carregado, com alguma dificuldade de se ajeitar na cadeira, que se encontrava do outro lado da minha secretária. Por fim, respirou fundo e disse-me: sabes Luís tenho que te dizer uma coisa…lembras-te da minha filha? Sim, respondi. Embora já não a veja há muitos anos mas, lembro-me de uma menina que tinha uma sensibilidade muito particular para a música e da qual tive o privilegio de ouvir tocar, a um piano de cauda, uma bela interpretação de Mozart, seguida de outra de Vivaldi. Já lá vão uns anos. Foi um serão muito interessante, disse eu. Pena que não tenhamos repetido tais experiências. Logo de seguida, disse: já deve estar uma mulher.
Foi quando ele, se voltou a acomodar na cadeira, como se esta fosse desconfortável e me disse: Luís ela não é minha filha, foi adoptada. Eu nunca disse isto a ninguém e espero que fique por aqui. Ao que eu retorqui que estava perante um amigo, mas que em primeiro lugar estava a falar com um advogado e, portanto, tudo o que se passa-se ali, era confidencial.
Sentia-se envergonhado, porque não era o pai biológico da filha, que ele adorava e para a qual pretendeu dar uma educação, como qualquer pai faria, proporcionando-lhe, o melhor que lhe podia dar.
De imediato, retorqui: houve lá…se é adoptada é tua filha. Deixa-te desses constrangimentos. Ama-la, deste-lhe afecto, tu e a tua mulher, como muitos pais biológicos, por vezes não fazem. Sempre foi o teu orgulho, porque estás agora com essa posição? Digo-te mais, isso para mim pouco me interessa, porque na realidade é tua filha, ponto final.
Perante a minha reacção, sentiu-se melhor, mais confortável e já se tinha relaxado para me contar, porque vinha solicitar os meus serviços.
- Sabes, ela saiu de casa aos dezasseis anos, para casar. Eu e a minha mulher fomos contra esta decisão, pois tínhamos a ideia que a mesma iria travar o desenvolvimento da vida dela e que um dia mais cedo ou mais tarde, seria infeliz.
A minha filha deixou-nos de falar, até que, agora, com trinta anos, apareceu-me à porta de casa, porque se quer divorciar. Que está farta da vida e da prisão em que tem vivido. Eu abri-lhe a porta, mas também lhe abri o coração. Agora, estou aqui para saber se poderias tratar do divórcio da minha filha.
- Ao qual eu respondi, que sim. A tua filha que venha falar comigo, para que possamos analisar a situação.
- Luís, disse ele, vê tu bem que estivemos privados do convívio da minha filha, durante estes anos, por causa de uma teimosia e insistência da parte dela em querer casar. Eu já sabia que ele não era a pessoa, com carácter e formação para ela e, que a família dele, iria procurar isolá-la do nosso contacto. E foi o que aconteceu. Mas eu recebia-a, como se nada fosse e olha que ao fim destes dias, nem sequer falámos sobre o assunto.
A minha opinião foi que não valeria a pena estar a falar, muito menos se ela não tomasse a iniciativa. Mas quando falassem, não abordassem a situação numa atitude recriminatória. O mal estava feito. Os anos perdidos já não se recuperavam e o que havia a fazer era viver o futuro e aproveitá-lo para o viverem sem ressentimentos. Afinal, pais são pais. Acabam sempre por perdoar.
E assim foi!
Eu não conhecia o marido, da filha do meu amigo, mas posteriormente, vim a conhece-lo e pensei, com os meus botões: na realidade, como é que uma miúda com uma sensibilidade tão refinada fugiu de casa dos pais, para casar com uma pessoa que é o oposto dela? Na verdade, cada panela deve ter a sua tampa. E estes não se ajustavam. Mas, o que é evidente para os mais velhos, com experiência da vida, não o é para os mais novos.
Acabei por dizer ao meu amigo:
- Deves aproveitar ao máximo estes dias felizes do amor incondicional e livre dos braços de ferro associados à conquista da sua independência que adivinho tumultuosa (por acaso foi menos tumultuosa, porque tudo se resolveu por bem).
Quero acreditar que saberás, como os teus pais, encontrar sempre um espaço para o perdão depois de reconhecidas as culpas, as tuas limitações, as decisões erradas e tudo quanto armadilha o bom desempenho que, por princípio, qualquer pai anseia.
Resta-te amar a tua filha e lidar com as suas revoltas e amarguras no futuro em que te confrontarás com o papel de intérprete da sua desilusão pelos aspectos defraudados. Afinal és pai da tua filha! E ela como filha, pode, de modo errado, ter decidiu erradamente a sua vida, mas agora, está de volta!
“Aufert vim praesentibus malis qui futura prospexit.” [Sêneca, Ad Marciam 9.4] Quem olha para o futuro, suaviza os males presentes.
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