A D.ª Hortelinda, dedicada
empregada doméstica, veio ter comigo para que eu a pudesse elucidar, sobre
estas novas modalidades de tirar uma licenciatura, pelas equivalências que se
podem obter, entre a vida profissional e a realização das cadeiras, necessárias,
à obtenção da mesma.
Disse-me a D.ª Hortelinda:
- Vai para mais de trinta
anos que comecei a trabalhar como empregada doméstica. Sabe, no mê tempo, nem
todos tinham possibilidade de fazer a 4.ª classe e foi o mê caso. Quando
terminei a 3.ª classe, mê pai, pôs-me a trabalhar na casa dum senhor “diputado”,
que era, também, ingineiro.
Desde os 13 anos de idade que
mê pai me pôs a trabalhar. Fui aprendendo com a vida. Primeiro, comecei na
técnica de esterilização das casas de banho, incluindo o "cagatório". Sim, porque
o cagatório tem preceitos. Deve ser limpo com um piaçaba. O piaçaba deve ser
utilizado na vertical, rodando o mesmo da esquerda para a direita, para contrariar
a falta de inércia das farturas que ficam coladas, na mesma. Só depois, se deve
abrir a água, de modo, que o consumo da mesma, não seja exagerado, pois, desde
piquenina que me ensinaram que a água é um bem precioso. Por outro lado,
devemos pensar que muita água misturada com as farturas é uma poluição grande. Temos
de proteger o ambiente. Sou muito sensível ao ambiente. Aliás, tenho muito
cuidado com a alimentação do mê canito, que quando come coisas que não são
habituais, dá cada bufa, que não sei se lhes conte. Mas, o pior que o mê
patrãozinho me podia fazer, era depois de ter limpo, o “cagatório”, ele fazer
xixi e pingar a tábua. Lá ia eu limpar aquilo. Porque as urinas estão
carregadas de ureia e cheira muito mal. Embora, a gente utilize a ureia para
adubar as batatitas. Mas, isso é outra coisa.
Depois comecei por
aprender a cozinhar. Cozidos, fritos, grelhados … eu sei lá. Cada uma com uma
técnica própria. Desde o balançar do tacho, aos ingredientes utilizados, aos “cudimentos”.
Mas, o que é importante é a intensidade do bico do fogareiro. Se for muito
alto, pode esturricar a comida, se for muito baixo, leva mais tempo a cozinhar
e gasta mais “pitrole”. E o “pitrole” também tem que se economizar. Vem lá das
arábias e há poucachinho. Portanto, desde piquenina que fui introduzida na
economia. Mas, de que vale tudo isto, se depois não apresentamos bem o produto,
na travessa? É que os olhos também comem. Eu, inicialmente, não percebia isto,
mas depois, explicaram-me que é uma questão de marketing (não sei se é assim
que se diz). Ou seja por causa do marketing que é aquela ciência que nos ensina
que temos que ter o olho aberto, e que estes são os primeiros a comer, que eu
me debrucei nas várias técnicas de bem-fazer travessas. Li muitos livros sobre
isto.
Ultimamente, até tive de
aprender inglês técnico, porque cada vez mais, há produtos de pacote que vêm
todos escrivanhados em inglês.
Tem sido uma vida de
aprendizagem. Nos últimos tempos, até fui fazer um curso de informática, para
aprender a fazer as contas e o orçamento de casa, no computador. Disseram-me
que já não se conta pelos dedos e eu como sempre fui muito aberta às
tecnologias lá fui aprender. De tal modo me entusiasmei com a informática que
até abri uma página no “face a book”. Já tenho mais de cinco mil amigos…gajos e
gajas que nunca vi de lado nenhum. Mas, disseram-me que isto é que era bom e
que devia vender a minha imagem com transparência e então lá estou.
Mas, veja, vossemecê, que agora
pensei em tirar uma licenciatura. Pedi ao senhor “ingineiro” que me ajudasse.
Fiz, de modo bem descritivo, todo o meu curriculum profissional e pedi as
equivalências.
Disseram-me que sim que
iriam avaliar o meu percurso profissional, mas, agora, disseram-me que tinha de
fazer alguns exames, mas que não demoraria mais do que um ano, atendendo à
experiência que eu tinha na área do ambiente, da economia, do marketing, da
informática e do curso de inglês, acelerado, que eu tinha feito, mas que tinha
de fazer exame a:
- Anatomia das portas dos
armários da cozinha;
- Evolução das bactérias
fecais e o seu tratamento ambiental;
- Introdução à teoria da
dialética materialista;
- Estatística dos resíduos
da cozinha na influência do ambiente
- O “pitrole” e o Mundo
Árabe
Não me importo de fazer
estes exames, mas, o pior, é que eu queria, era ser licenciada em “ingineira”
do ambiente, mas eles dizem que isso não, mas que seria licenciada em Ciência
Política. Porque, tudo o que eu fiz, ao longo da minha vida, foi ao fim e ao
cabo, política caseira.
Estou triste…mas, o mê
patrão ficou todo contente e disse-me:
- Era o que me faltava
Hortelinda, seres “ingineira” como eu…Agora, doutora em Ciência Política tudo
bem. Ouvi na televisão que ainda há pouco tempo, alguém que mexia, como tu, em
merda, também se tinha licenciado em política.
Eu respondi-lhe:
-D.ª Horterlinda, tem mais
possibilidades na vida, licenciada em Ciência Política, do que como “ingineira”.
Ainda pode ser ministra!
1 comentário:
BRILHANTE!
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