Um jovem à rasca, encontrou-se com um amigo, do pai, e cumprimentaram-se. Boa tarde, Zé. Como está Senhor Doutor? E inicia-se um diálogo, interessante. Pergunta o Dr.:
-Então, Zé, sempre foste à manifestação da geração à rasca?
- Sim, claro.
- Então e quais foram os teus motivos, conta lá.
-O mesmo que os dos meus amigos. Acabei o curso e não arranjo emprego. Pergunta o Dr… E tens respondido a anúncios?
- Na realidade, não. Isto é muito complicado. Porque de verão não dá jeito nenhum. Um tipo tem as praias e as esplanadas, cheias de miúdas. No inverno está um tempo do caraças, chove e faz frio, não apetece nada andar por aí nas entrevistas. Além do mais, depois destas idas à praia, às discotecas, às esplanadas e quando calha, a um cinemazinho, ainda me sobra dinheiro da mesadazinha que os meus pais me dão.
- Mas devias responder a anúncios. Não achas? Porque é que não respondes?
- Tem razão. Mas mudando de assunto. A manifestação até correu benzinho. Não houve incidentes, o que é sempre bom. Mas houve chatices.
-Então, Zé, conta lá.
- Eh pá…quando cheguei ao viaduto Duarte Pacheco, apanhei uma fila de todo o tamanho.
- Se calhar isso era gente que ia para as Amoreiras ou até para o Largo do Rato. Sabes que aquilo tem andado movimentado por lá.
- Nada disso, Dr. Jovens à rasca como eu. Ao fim e ao cabo, gente de todas as idades, mas todos à rasca como eu.
- Hum…E então, onde é que estacionaste o carro. No Parque Eduardo VII?
- Oh Dr. O meu amigo não está bom da cabeça. Então, com um Audi TT cabriolet, eu alguma vez iria estacionar numa zona manhosa como aquela? Tentei estacionar no Parque do Marquês, mas estava cheio.
- Cheio de…?
- De carros de jovens à rasca como eu, claro. Acabei por ir estacionar no parque do El Corte Inglês. No caso de sair cedo da manifestação, ainda fazia umas comprinhas na loja “Gourmet.”
- É claro que foste de “Metro”, depois?
- Oh Doutor, eu gosto de ser pontual e como já se estava a fazer-se tarde, apanhei um táxi, embora estivesse, um pouco, à espera de apanhar um livre, pois havia muitos jovens, como eu, à rasca, também, à espera de Táxi. Quando cheguei à manifestação, acabei por ser entrevistado por um canal de televisão.
- E o que é que disseste?
-Que era licenciado e estava desempregado e que já estava a ficar chateado de andar a pagar as reformas dos outros.
- Mas, se nunca trabalhaste, nunca descontastes para a Segurança Social, como é que andas a pagar as reformas dos outros?
- Pois…pois. É capaz de ter razão.
- Ouve lá. Tu és licenciado em quê? Em Estudos dos Astros, não?
- Oh Doutor, parece que é bruxo. - Não! Foi só um “feeling”. E então, gritaste muito, está claro?
- Não consegui. Estive o tempo todo a receber chamadas e a mandar mensagens para s garinas e para um amigo meu que estava do outro lado da manifestação. Além do mais, para dar o ponto de situação, ainda mandei mensagens para o Facebook e para o Twitter, pelo IPhone e pelo Blackberry.
- Eh pá…mas isso não é demais para quem está à rasca? É que só os aparelhos custam uma pipa de massa.
- Oh Doutor… Não seja cota. Estas são as armas modernas de luta.
-Então saís-te cedo da manifestação e ainda conseguiste ir fazer as comprinhas ao Gourmet?
-Uma merda, Doutor. Naquela luta, junta-se a alegria e fomos directos ao Chiado e acabámos no Bairro Alto. Felizmente uma amiga minha já tinha feito marcação de uma mesa. Se não estávamos tramados.
- Mas espera lá, oh Zé…as tascas no Bairro Alto já fazem marcações de mesas?
- Oh Doutor…chama tasca ao Pap`Açorda?
- Ah, ao menos comeram bem?
- Sim, comemos bem. E não pode ser de outra maneira. A luta é cansativa e é preciso repor energias. Agora aquele tinto, “Carbenet Sauvignon” é que escorregava que era uma maravilha.
- Espera lá, Zé. Não me digas que depois foste conduzir já com um grão na asa? - Não Doutor, tenha calma. Nunca ouviu dizer que a “luta continua”? Fomos até ao Lux. Fomos de Táxi. Quatro em cada táxi, porque é preciso poupar o guito. Porque senão, lá se vai a praia, as esplanadas as idas ao cinema, etc. Logo, adeus miúdas!
- Mas o Lux com a crise que está deve estar um pouco às moscas, não?
- Não senhora. Qual quê? Muita malta à rasca.
- Quando acabaram de curtir a noite, foste directo a casa?
-Oh Doutor…Isso são perguntas que se façam? Tomei, mas é, um Táxi para um Hotel de quatro estrelas, pois não há dinheiro para os de cinco estrelas, nem tão pouco para os de luxo.
- Estou a ver que és um jovem consciente. Como tinhas bebido…
- Nada disso…eu tinha conhecido na manifestação uma camarada de luta e bem…o Doutor sabe como é…
- Não me digas que ainda foram fazer um plenário?
- Oh Doutor, não está a ver bem as coisas. O pior foi de manhã, em que chegámos à conclusão que ela era “bloquista” e eu voto no Portas. Saiu porta fora. Deve ter ido tomar o pequeno almoço à “Versailles.”
-Ah, então, tomaste o pequeno almoço no Hotel, correcto?
- Claro. Mas pedi o “room - service”, porque estava com uma ressaca dos diabos e não me aguentava das pernas.
- Depois pagaste e…
- A crédito. Nada de más interpretações. Paguei a crédito com o cartão “gold do Barclays”.
-Depois foste directo a casa?
- Sim. Aquela hora já não há trânsito na A5. Já não havia muita malta à rasca.
-Onde é que vocês moram, agora? Em Caxias? Na Parede?
- Francamente, Doutor. Moro na Quinta da Marinha, numa casita que os meus pais se vêem à rasca para pagar. Para a próxima levo-os comigo!
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